Ismael nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, filho de Benjamim
da Silva e Emília Corrêa Chaves.
Quando tinha apenas três anos seu pai faleceu. Seu Benjamim
trabalhava como cozinheiro de um hospital, e ao falecer, deixou sua esposa sem
recursos para criar seus cinco filhos pequenos. Desamparada, d. Emília apelou
para os parentes, que ficaram cuidando de seus quatro filhos mais velhos e
mudou-se para o Rio de Janeiro, no bairro do Estácio, com o caçula Ismael, para
tentar a vida como lavadeira.
Aos sete anos Ismael descobriu que queria estudar. Como sua
mãe não atendia a seus apelos de levá-lo à escola, o jovem garoto resolveu seu
problema sozinho, de acordo com seu próprio depoimento : "(...) um dia,
sem ninguém saber, entrei pelo colégio adentro (...). Cheguei na primeira sala,
que era da diretora e tal, e ela me perguntou o que eu queria. Eu disse que
queria estudar. Tinha fome de saber, eu quero saber ler e tal... Então se criou
um caso: a diretora me chamou... parou as aulas e as professoras vieram para
assistir aquilo... era uma coisa diferente...". Matriculado e feliz,
Ismael conta que foi um aluno muito aplicado; suas notas eram as mais altas da
escola e os professores o escolheram como monitor para ajudar os colegas com
dificuldade.
Durante sua juventude Ismael morou em outros bairros, (Rio
Comprido e Catumbi) mas voltou ao Estácio, na mesma época em que terminou o
ginásio, aos 18 anos. Já compunha e tocava tamborim. Ainda não tocava violão,
instrumento que aprendeu muitos anos depois de ficar famoso no meio artístico.
Ou seja, para compor precisava apenas batucar. Letra e música nasciam juntas,
simultaneamente; Sua primeira composição, o samba "Já Desisti", nunca
foi gravada. Já Me faz carinhos, seu primeiro sucesso, foi gravado em 1925 pelo
pianista Orlando Thomás Coelho, conhecido como Cebola. Essa música foi
responsável pela aproximação de Francisco Alves e Ismael Silva. O cantor, já
muito conhecido, estava interessado pelas belas composições do sambista do
Estácio, principalmente Me faz carinhos, e propôs ao compositor que lhe desse
exclusividade e parceria, e em troca gravaria todas as suas composições.
Empolgado, Ismael não hesitou, e aproveitou para incluir no negócio o seu
parceiro, Nílton Bastos, formando assim um trio, que posteriormente ficou
conhecido como Bambas do Estácio. Ismael e Nílton compunham e Francisco Alves
gravava, entrando também na autoria. Mas em algumas composições da dupla (ou
trio) só constava o nome de Francisco Alves. Ofendido, Nílton reivindicou seus
direitos. A partir daí as músicas apareciam sempre com o nome dos três.
O Estácio, na década de 20, era um reduto de bons
compositores como Rubem Barcelos, seu irmão Bide (Alcebíades Barcelos), Marçal,
Edgar Marcelino, Brancura, Nílton Bastos, entre outros, que promoviam famosas
rodas de samba. O carnaval carioca ainda era comemorado de forma violenta; os
foliões jogavam água suja uns nos outros, quando não farinha, ovos, laranja
podre, etc., heranças do famoso entrudo. Diante de inúmeros protestos da
polícia, o entrudo foi sendo substituído pelos blocos, cordões e ranchos, sendo
este último o responsável pela figura do mestre-sala, da porta-estandarte e de
passistas ricamente fantasiados. Os ranchos tinham música própria, cadenciada e
foliões bem-comportados que marchavam pelas ruas ao som da marcha-rancho. Esse
ritmo lento não agradava os foliões das novas gerações, que buscavam algo mais
alegre para o carnaval. Pensando nisso, e também em se livrar da perseguição
policial que sofriam, em 1928 Ismael e seus companheiros do Estácio formaram um
bloco chamado Deixa falar, que desfilou em 1929 ao som de um ritmo mais acelerado
do que o ritmo dos ranchos, com surdos e tamborins marcando esse novo
andamento, o samba. Esse bloco foi o precursor das Escolas de Samba, e o
curioso nome Deixa falar surgiu porque outros blocos ou
"agrupamentos" de outros bairros criticavam muito os sambistas do
Estácio, que respondiam simplesmente com a expressão "Deixa falar".
Já a palavra "escola", segundo Ismael, surgiu baseada no fato de
haver uma escola de ensino normal nas imediações do bairro. Se aquela era uma
escola "normal", que formaria professores para a rede escolar, a
Deixa falar seria uma escola de samba, pois formaria professores de samba! A
Escola desfilou de 1929 a 1931, e consta que não teve continuidade pela perda
de dois de seus fundadores, Nílton Bastos, que morreu de tuberculose em 8 de
setembro de 1931 e Edgar Marcelino, que foi assassinado em 25 de dezembro do
mesmo ano. Desiludido, Ismael mudou-se para o Centro, e a Escola, que já tinha
plantado a semente das escolas de samba, teve seu precoce fim.
Com a morte de Nílton Bastos o trio ficou desfalcado, porém
Ismael continuava compondo e dando parceria para Chico Viola. Alguns amigos do
sambista do Estácio tentaram alertá-lo. Francisco Alves sempre saía ganhando,
explorava o compositor. Sem alternativas, ou talvez por puro comodismo, mas
consciente e incomodado, Ismael manteve a "parceria". As coisas
caminharam tranquilas até que Ismael, por acaso, conheceu o compositor Noel
Rosa. O Rei da Voz estava conversando num bar com Noel quando Ismael chegou com
um refrão fresquinho, que tinha acabado de compor. Impressionado com a beleza
do estribilho, Noel se ofereceu para fazer a segunda parte. Francisco Alves,
empolgado com o talento dos dois compositores, convidou Noel para substituir
Nílton Bastos na parceria. O poeta da Vila aceitou, mas como já conhecia os
"métodos" do cantor, se preveniu - impôs a condição de que o que
fosse feito só por ele não teria parceria. Francisco Alves concordou. Formou-se
assim um novo trio, que também ficou conhecido como Bambas do Estácio, além de
Batutas do Estácio, Gente Boa e Turma da Vila. Noel e Ismael compunham e
geralmente faziam coro nas músicas que Chico gravava, tendo seu nome
incorporado à dupla. Noel Rosa, que também tinha feito negócios em troca de
composições com Francisco Alves, insistiu muito para que Ismael se tornasse
independente.
A "parceria" Noel/Ismael/F. Alves durou até 1934,
ano em que Ismael criou coragem para se desvencilhar de Francisco Alves.
Afinal, o sambista já era conhecido no meio artístico e vários intérpretes o
procuravam para gravar suas músicas; não dependia mais de Chico Viola. Além de
sentir-se explorado, Ismael sentia-se humilhado; O Rei da Voz tinha o hábito de
apresentar Ismael em seus shows como "o preto de alma branca". Isso
magoava muito o sambista do Estácio. Mas de fato o grande problema era a
exploração de Francisco Alves, que exigia exclusividade por parte de Ismael e
Noel, e, no entanto, gravava músicas de todo mundo. Influenciado por Noel Rosa
e outros compositores do meio Ismael pôs fim a esse acordo do qual ele levava
sempre a menor parte. Rumo à independência com uma carreira voltada para o
sucesso.
Mas a vida dá muitas voltas, e a de Ismael mudou
radicalmente. Envolveu-se numa briga de bar e atirou em Edu Motorneiro, um
cidadão conhecido nas rodas boêmias cariocas, sem no entanto matá-lo. As razões
para ter cometido tal loucura são controversas. Uns dizem que foi para defender
sua irmã Orestina, outros dizem que os dois homens estavam disputando a mesma
mulher, brigas de ciúme. A segunda hipótese foi rejeitada pelos que conheceram
Ismael, pois diziam que não era essa a preferência sexual do compositor. Por
mais que tentasse disfarçar, os boatos corriam no meio artístico. Realmente, o
único romance de Ismael de que se tem notícia foi com uma passista do Estácio,
Diva Lopes Nascimento, em 1936, que durou um mês e gerou uma filha, Marlene
Martins Batista. Esse fato só veio ao conhecimento do público no dia da morte
de Ismael. Sua filha declarou que o pai não quis registrá-la, mas sabia de sua
existência. Ismael só aproximou-se dela no fim da vida. Nenhum outro
relacionamento do compositor tornou-se público. Enfim, preso em flagrante,
Ismael foi condenado a cinco anos de prisão. "Malandro, inveterado jogador
de chapinha, tentando viver de samba numa época em que sambista era quase
sinônimo de vagabundo, tinha sido preso inúmeras vezes." Envergonhado, o
sambista refugiou-se em Teresópolis até o julgamento. Pelo seu bom
comportamento enquanto esteve preso, Ismael não precisou cumprir os cinco anos
de pena, mas dois. Quando saiu da cadeia estava completamente deslocado;
Francisco Alves, antes seu "parceiro", sentindo-se "traído"
agora não queria saber mais dele; Noel Rosa, seu grande amigo, morreu quando
Ismael ainda estava na cadeia; "(...) um homem de brio, sensível e
orgulhoso, Ismael se deixaria dobrar ao peso da vergonha de ser um ex-convicto.
Passou a evitar os amigos, o meio artístico, os lugares de sempre. Tinha medo
que lhe fizessem perguntas sobre o que tanto queria esquecer. Enfim,
desapareceu. Houve até quem o julgasse morto. Sozinho, triste, sem dinheiro,
perambulou por aí." Sabe-se que foi morar com uma irmã e alguns sobrinhos,
mas de repente desapareceu. E só voltou ao convívio dos amigos e familiares a
partir da década de 50, quando teve seu grande sucesso Antonico gravado por
Alcides Gerardi.
Com sérios problemas financeiros Ismael vivia à custa de
minguados direitos autorais, quase uma ninharia. Sempre desempregado, "ele
dizia que considerava o samba como seu único trabalho. Mas sabe-se que trabalhou
na Central, como chefe de turma da segurança interna e foi auxiliar em um
escritório de advocacia. Serviços leves e temporários, pois foi curta sua
permanência neles."
Em 1960 Ismael ganhou dois títulos: Cidadão Samba, numa
iniciativa do jornalista Sérgio Cabral, e Carioca Honorário, numa homenagem da
Câmara dos Vereadores. Três anos depois ficou muito doente, sofrendo com uma
úlcera varicosa. Em 1964 fez algumas apresentações no ZiCartola; Em 1965,
participou ao lado de Aracy de Almeida do musical O samba pede passagem, no
Teatro Opinião, gravado ao vivo. Nesse mesmo ano seu nome apareceu muito nos
jornais. Sem dinheiro, o compositor não tinha meios para assistir ao desfile
das escolas de samba. Ismael nunca escondeu o fato de não gostar da transformação
que as escolas de samba sofreram, com o passar dos anos. Ele dizia que era um
espetáculo bonito, mas agora uma brincadeira cara, sofisticada, não mais
acessível ao povo. Mas nem por isso queria abandonar sua criação. Passou a dar
entrevistas para ver se conseguia um meio de assistir de perto aquilo que
ajudou a criar: "Sou sambista; quer dizer, sou pobre. Tive que me virar e
pedir a todo mundo para dar um jeito de eu ir à Presidente Vargas". Como
não conseguiu o ingresso, o compositor deu nova declaração ao jornal : "É
injusto que a criação receba auxílio do governo, enquanto o criador cai no esquecimento".
No ano seguinte as coisas melhoraram. O compositor foi convidado pelas
autoridades do Rio para assistir ao desfile e pelo MIS - Museu da Imagem e do
Som, para dar seu primeiro depoimento. Além disso o sambista participou de uma
série de shows em universidades, sendo reconhecido como um mito da MPB, ou
ainda nas palavras de Vinícius de Moraes, "São Ismael", um apelido
carinhoso.
Muito cansado, no fim da década de 60, Ismael ainda estava
doente. Buscou ajuda na religião e passou a frequentar a Igreja Messiânica
diariamente. Em 1970, o bar Jogral em São Paulo, reduto da MPB na ocasião,
resolveu homenageá-lo. Como estava sentindo-se bem, Ismael viajou para SP, e
aproveitou para fazer algumas apresentações e programas de TV.
A genialidade de Ismael está contida em suas músicas. Sua
obra influenciou diversos compositores de várias décadas, entre tantos, Chico
Buarque. "Em 1972, no seu aniversário, Ismael recebeu um presente muito
especial: um bilhete de Chico Buarque de Holanda, que dizia: ‘Ismael, você está
cansado de saber da minha admiração pelos seus sambas. Você sabe o quanto lhe
devo por toda sua obra. O Sérgio Cabral está lhe entregando o meu presente pelo
seu aniversário. É muito menos do que você merece. Um grande abraço, de
coração.’ Junto com o bilhete, o presente: um envelope com um cheque."
Suas apresentações foram ficando esporádicas. Em 1973,
Ricardo Cravo Albim produziu o show Se você jurar, com Ismael e a cantora
Carmen Costa; ambos iniciaram a carreira com Francisco Alves. Ismael, como
compositor exclusivo do Rei da Voz e Carmen, como empregada doméstica do
cantor. Dois anos depois o compositor foi homenageado pela Escola de Samba Canarinhos
da Engenhoca, de Niterói. Ismael desfilou emocionado e confessou que esse foi
um dos melhores carnavais de sua vida.
Em dezembro de 1977 Ismael foi operado da úlcera varicosa
que tinha na perna. No ano seguinte, um pouco antes do Carnaval, teve princípio
de enfarte, mas foi socorrido a tempo. Mas, em 14 de março de 1978, um
fulminante ataque cardíaco o levou. Seu corpo foi velado no MIS (RJ) e
sepultado no Cemitério do Catumbi. Ismael Silva compôs um pouco mais de uma
centena de músicas, a maioria sambas, e poucas marchas.
Principais sucessos :
A razão dá-se a quem tem, Noel Rosa, Ismael Silva e F. Alves
(1932)
Adeus, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves (1931)
Aliás, Ismael Silva (1973)
Amor de malandro, Ismael Silva, F. Alves e Freire Júnior
(1929)
Ando cismado, Noel Rosa e Ismael Silva (1932)
Antonico, Ismael Silva (1950) Antonico com Alcides Gerardi
(1950)
Assim, sim, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves (1932)
Boa viagem!, Noel Rosa e Ismael Silva (1934)
Coisa louca, Ismael Silva (1973)
Com a vida que pediste a Deus, Ismael Silva (1939)
Contrastes, Ismael Silva (1973)
Dona do lugar, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves
(1932)
Gosto, mas não é muito, Noel Rosa, Ismael Silva e F. Alves
(1931)
Liberdade, Ismael Silva e Francisco Alves (1931)
Me diga o teu nome, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves
(1931)
Nem é bom falar, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves
(1930)
Novo amor, Ismael Silva (1929)
O que será de mim?, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves
(1931)
Para me livrar do mal, Noel Rosa e Ismael Silva (1932)
Quem não quer sou eu, Noel Rosa e Ismael Silva (1933)
Se você jurar, Ismael Silva, Nílton Bastos e Francisco Alves
(1930) Se você jurar com Mário Reis e
Francisco Alves (1930)
Sofrer é da vida, Ismael Silva, Nílton Bastos e F. Alves
(1931)
Tristezas não pagam dívidas, Ismael Silva (1932)
Uma jura que fiz, Noel Rosa, Ismael Silva e Francisco Alves
(1932)
Texto:
http://aochiadobrasileiro.webs.com/Biografias/BiografiaIsmaelSilva.htm
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