Bailes e festas caipiras também integram o universo
imagético de Maria Auxiliadora, que realizou ainda tocantes autorretratos,
principalmente perante a proximidade da morte, por câncer generalizado, em
1974, após uma luta intensa que deixou retratada em uma obra, que vai do
ingênuo ao trágico em menos de uma década.
Maria Auxiliadora nasceu em 24 de maio de 1935, em Campo
Belo, MG, numa família de 18 irmãos, gerados por Dona Maria, uma humilde
bordadora, que acumulava ainda as funções de dona-de-casa, escultura e pintora.
Nascida em Sorocaba, SP, e casada com um trabalhador braçal de estrada de
ferro, ela migrara para a cidade mineira, onde tivera os primeiros filhos,
entre eles Auxiliadora, que veio com a mãe e os irmãos para São Paulo, todos
atraídos pelas promessas de prosperidade que a capital paulista oferecia.
A vida na cidade foi bastante dura. Auxiliadora, ainda
criança, mostra uma inclinação natural para tingir os fios que a mãe borda para
fora e, com 11 anos, já desenhava, com carvão, figuras nos muros. Absorta nessa
atividade esquecia muitas vezes de olhar as panelas no fogo e a comida da
família queimava.
Como frequentou a escola apenas um par de anos, Auxiliadora
somente teve trabalhos humildes, como doméstica ou passadora. Para piorar sua
saúde era frágil e, aos 22 anos, teve de ser submetida a uma primeira cirurgia.
Foi em 1967 que ela decidiu se dedicar integralmente à pintura, trabalhando com
determinação na casa dos pais e, depois, na própria casa.
Sem conhecer perspectiva ou claro-escuro, bem dentro dos
princípios dos artistas autodidatas, Auxiliadora foi aprimorando sua arte. No
fim dos anos 1960, juntou-se, com outros integrantes da família, pintores, como
o escultor Vicente de Paula e o pintor João Cândido, ao grupo que girava em
torno do músico, teatrólogo e poeta negro Solano Trindade, no Embu das Artes,
SP, onde se formara um centro de artesanato, principalmente de cultura e arte
de origem africana.
Com o passar dos anos, o Embu foi dominado pelos hippies e
por artistas mais preocupados com os preços do que com a qualidade do trabalho
artístico. Descontente com a situação, Auxiliadora retornou à Capital e passou
a expor seus trabalhos na Praça da República. Conheceu então o físico e crítico
de arte Mário Schemberg, que a apresentou ao cônsul dos EUA Alan Fisher. Este
último organizou, em 1971, com sucesso, uma exposição da artista na galeria
USIS do Consulado, em São Paulo.
A notoriedade, porém durou pouco e Auxiliadora continuava
sendo admirada apenas por alguns artistas primitivistas, como Ivonaldo e
Crisaldo Moraes. Em 1972, aos 37 anos, Auxiliadora finalmente realizou o desejo
de voltar a estudar, inscrevendo-se no Centro de Alfabetização de Adultos,
universo que também retratou em seus trabalhos. Mostra, com crueza, a realidade
dos cursos noturnos, repleta de alunos cansados e sonolentos lutando com letras
e números.
Mas a passagem do cometa Maria Auxiliadora estava fadada a
ser rápida. Após uma dolorosa batalha contra o câncer, que a levou a ser
operada seis vezes nos últimos dez meses de vida e a recorrer a medicamentos
tradicionais, a artista faleceu em 20 de agosto de 1974, de câncer
generalizado, após tentar a medicina, centros espíritas e candomblé.
Três anos depois, a editora italiana Giulio Bolaffi
publicou, numa edição com texto em quatro idiomas, o livro Maria Auxiliadora da
Silva, com textos de Max Fourny, diretor do Museu de Arte Naïf de l’Ile,
França; Emanuel von Lauenstein Massarani, adido cultural do Brasil na Suíça,
que coloca a artista na fronteira entre a arte primitivista e a arte bruta, ou
seja, aquela praticada fora do condicionamento cultural e do conformismo
social; e Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu de Arte de São Paulo.
Coube ao marchand alemão Werner Arnhold, no final da década
de 1970, colaborar definitivamente para que Auxiliadora alcançasse renome na
Europa, levando seus trabalhos de feiras de arte e exposições na Basiléia,
Dusseldorf e Paris. A crítica internacional logo ficou fascinada pela forma
como trabalhava as cores e as temáticas tipicamente brasileiras.
A variedade temática é um dos pontos mais interessantes de
Auxiliadora, que parece fazer uma crônica daquilo que via. Utilizava tinta
acrílica de cores geralmente fortes, como vermelho e amarelo, e salientava
partes do corpo humano e das paisagens, utilizando cabelo de verdade pintado ou
uma massa de espessura variável, cujo modo de fazer nunca revelou a ninguém.
O que mais fascina nos trabalhos de Maria Aparecida é a
forma de trabalhar a cor branca. Os vestidos de escolas de samba, bailes ou
festas de maracatu ou divindades do candomblé apresentam rendas e as casas
cortinas em relevo e uma sutil transparência. O mesmo ocorre numa tela como Autorretrato
com flores, no qual as rendas estão no vestido e na touca que cobre a cabeça da
pintora.
Auxiliadora colocava muitas vezes legendas em seus quadros,
como se fossem desenhos animados, seja na boca de um sanfoneiro de festa junina
ou de uma cena de candomblé. Outro aspecto curioso de seu padrão artístico é
uma tela como Natureza morta, em que , sobre uma mesa sem perspectiva,
elementos de uma refeição, como macarronada, feijoada, vinho doce, pão, frango,
farofa, carne assada e arroz surgem com os nomes escritos nos respectivos
pratos ou garrafas. Nessa mesma linha diferenciadora de seu trabalho, é comum
que, nas cenas de interiores, Auxiliadora coloque nas paredes quadros de sua
própria autoria.
A artista também tinha uma forma diferente de negociar seus
quadros. Se a norma é cobrar preços maiores por pinturas de maiores dimensões,
ela tinha seus próprios parâmetros, estabelecendo valores pelo tempo que
demorava em pinta-los ou pela qualidade que atribuía a cada um deles. Esses
critérios, muito peculiares, mostram consciência do valor do seu trabalho e de
que ele devia ser vendido pelo esforço realizado e pelo resultado obtido, não
pelos centímetros quadrados que ocupava.
Nos dois últimos anos de vida, Auxiliadora desenvolveu uma
faceta muito peculiar. Em sua luta pela vida, nunca parou de pintar,
registrando cenas de extrema-unção, hospitais, ambulâncias, velórios e
enterros, além de um comovente Autorretrato com anjos, no qual seres divinos
nus, sobre um fundo azul claro, rodeiam, com uma grinalda de flores brancas e
vermelhas, a pintora em seu ofício, criando, no cavalete, uma cena rural. Os
anjos trazem tintas, pincéis e quadros, compondo um testamento poético primitivista
de amor à arte.
A maior prova de que a arte foi, para Maria Auxiliadora da
Silva, um ato de resistência à morte está no desenho inacabado encontrado
embaixo de seu travesseiro de seu leito de morte. Autora de alegres festas e
colheitas extremamente coloridas; de festas juninas com fogueiras de chamas
dinâmicas em vermelho, laranja, amarelo e verde; e quadros em que as figuras
humanas choram, seja vendo uma novela pela televisão na sala, em autorretratos
ou em aulas de alfabetização noturnas para adultos, ela foi uma lutadora até o
último momento.
Tal qual um cometa, de passagem rápida, muito esperada e
inesquecível, cada imagem pujante criada por Maria Auxiliadora da Silva,
artista nunca acomodada, seja na técnica muito pessoal, nos temas variados ou
no amor à vida, é um documento de uma passagem luminosa, mas infelizmente fugaz
pelo mundo das artes.
Os cometas fascinam o ser humano pelas aparições
freqüentemente inesperadas e, às vezes, espetaculares. É esse o caso da artista
plástica Maria Auxiliadora da Silva, que pintou apenas sete anos, entre 1967 e
1974, mas conquistou um espaço eterno entre os maiores primitivistas
brasileiros, enfocando desde o carnaval até a própria morte, passando por
procissões, danças populares e cenas da vida doméstica e rural.
Boa noite Rogério, procuro por quadros da artista Maria Auxiliafora da Silva para comprar. Vocè tem ou conhece alguem que queira vender. Meu contato : Sergio 31 973650002. Grato
ResponderExcluir