Que me desculpem as pessoas que usam e abusam do discurso do excluído para justificar a incapacidade de perseguir seus objetivos e que me desculpem as pessoas que optaram pelo crime com a justificativa de que a sociedade não lhes deu chance, mas a prova de que seus discursos são oportunistas reside no fato de que há pessoas desprovidas de recursos ou apoio, seja da família, seja da sociedade, e estão aí, batalhando, honradamente.
"A sociedade não me deu chances! Por isso tô no crime!", "Isso é coisa que não posso fazer, sou pobre!", "Ih, meu filho, é preciso de estudo. Eu nunca tive chance, nem terei."
Um recado àqueles que adoram utilizar, como muleta para não alcançar seus objetivos, o discurso de pobre excluído: saiba que há gente nas mesmas condições que vocês e que estão produzindo e realizando seus sonhos. Enquanto isso, você está aí, esperando da iniciativa governamental uma colher de mingau.
Mirem-se no exemplo de Laíssa, catadora de papel.
Laíssa Sobral, 19, nunca gostou muito de estudar, mas, com a
“filosofia” -vivida na pele, como ela diz- de que pobre não é ouvido,
decidiu, há dois anos, ter o diploma de curso superior. E hoje cursa
gestão ambiental na USP.
A vontade de fazer faculdade começou a cutucá-la no 2º ano do ensino médio, em 2009.
Ela trabalhava como catadora de material reciclável na cooperativa
Granja Julieta (zona sul de São Paulo), da qual sua mãe já era
presidente, e, após um incêndio que destruiu o local, se engajou para
conseguir um novo espaço.
Em meio à luta, conheceu ONGs e fez amigos universitários. E percebeu
que, com um diploma, teria mais chance de lutar pela cooperativa.
Um dia sua mãe, Mara Lúcia Sobral, 46, foi a uma palestra sobre
gestão ambiental e comentou com Laíssa, que se interessou e falou sobre o
tema com uma professora de geografia, que lhe passou informações sobre
cursos.
APOIO
Foram poucos os incentivos que teve na vida escolar. Ela conta que
apenas quatro docentes a estimularam a se interessar pelos estudos.
Mas, se tinha pouco incentivo no colégio, na cooperativa tinha dona
Josefa, uma das cooperadas. “Ela corria com um pau atrás de mim para me
fazer ir para a aula”, lembra.
Com nove irmãos sob o mesmo teto -hoje são 12-, Laíssa ia estudar
numa praça. Sua mãe não terminou o ensino fundamental, mas sempre
obrigou os filhos a ler. E a fazer alguma atividade cultural.
Sua escolha foi pelo teatro. E assim conheceu um grupo que fazia
saraus “na quebrada mesmo”, e viu crescer seu interesse em virar
universitária.
Estudou e entrou no curso de gestão ambiental da FMU em 2011. Mas a
vida era difícil. Faculdade particular: R$ 515 por mês. Transporte: R$
250. Renda na cooperativa: R$ 800. Ouviu, então, falar de uma incubadora de cooperativas da USP e
resolveu prestar concurso para trabalhar lá. Eram cerca de cem
candidatos e só três -incluindo ela-entraram.
‘VIA SEDEX’
Laíssa resolveu, em junho, transferir a faculdade para a USP. Sem
dinheiro para comprar os livros indicados no edital, recebeu ajuda de
uma amiga, que fez campanha num blog. Livros, então, começaram a chegar.
“Veio até via Sedex”, lembra. Resultado: ela foi aprovada no curso de
gestão ambiental da USP Leste.
Questionada se pensa na trajetória de Graça Foster, presidente da
Petrobras que foi catadora quando criança, diz: “Claro. É um exemplo a
ser seguido. Mas a minha busca é para que toda a classe oprimida se
torne importante”.
Fonte: Folha de São Paulo
Foto: Isadora Brant
0 comentários:
Postar um comentário